O meu nariz é Árabe
31 mar e 1 abr - 21:00 | 2 abr - 17:00
“O Meu Nariz é Árabe” é uma celebração das nossas raízes árabes, destes vizinhos que nos influenciaram na forma de ver a vida e na poética de sentir o mundo. O nosso nariz árabe, esse apêndice corporal que nos permite respirar e nos marca as linhas de identidade de um rosto, representa uma maneira de ser: amar o prazer das coisas, desenvolver uma sensualidade latente em cada instante, insinuar-nos como serpentes por dentro do ócio solitário ou entre amigos. O calor e a preguiça de que nos acusam e com a qual nos identificam é, assim, um traço imaginário. Uma maneira de ser criativa, uma tendência para a abstracção que nos domina e conduz os passos e os gestos. O simples facto de sermos presos pelas paixões, de termos acessos excessivos de expressões vindas de sabe-se lá que coração, esse sempre presente diminutivo para cada palavra, uma torrente de afetos que vão da aridez desértica ao excesso sentimentalista, são traços que nos definem. Assim, no nariz e nas suas curvas e expressões, escondemos e mostramos o coração. Mas há uma ponta de vergonha, de embaraço sombrio e cinzento que nos tolhe nesta herança. Porque queremos ser europeus, modernos, fugir dessa aragem africana? Esta procura pelo ser europeu, fundamentada pela influência dos países a norte, faz com que por vezespercamos a nossa raiz árabe. Ou que a procuremos esconder? Este espetáculo é, pois, uma celebração desta cultura, algo que nos é antigo - mais antigo que nós - e que nos fez ser o que hoje somos.
Para a criação deste espetáculo, viajámos e investigámos biografias e textos de poesia árabe, nomeadamente de Al Mutamid, uma das mais ilustres e desconhecidas personalidades da História de Portugal, personagem corajosa e destemida. Impressionou-nos o imenso prazer pela vida que demonstram as suas poesias. Seja no prazer, seja na dor que o assaltou
e fez dele um personagem trágico. Deixou-nos um legado imenso e importante através das suas batalhas e encontros amorosos, cheios de episódios guerreiros. Um poeta com bastante originalidade na forma de olhar o mundo, fortemente influenciado pela magia que via e sentia nas coisas da natureza. Conjugamos os seus textos com uma história acerca de um contador de estórias, recolhida por Leo Frobenius, um etnologista alemão, que por sua vez a recolheu de um condutor de caravanas de camelos. Surge depois transcrita por Joseph Campbell de onde a recolhemos, traduzimos e adaptamos. A esse texto, adicionamos uma outra escrita que fantasia a vida de um homem que procura um reino secreto e uma vida melhor, sendo obrigado a partir da sua terra, a deixar os seus e as suas memórias. A peça joga com uma dupla discursividade, cruzando vários tempos dentro de si para jogar com a sensação atual de sermos imigrados no nosso próprio território, em busca de um mundo diferente. A personagem de Al Mutamid e a sua dimensão trágica, de exilado no seu próprio país, levou-nos ao lugar dos refugiados, do imigrante, do apátrida, sempre em movimento — seja forçado ou voluntário — e que absorve as culturas por onde passa, transformando-as em histórias para contar. “O Meu Nariz é Árabe” aborda esse sentir do atual com uma dose de humor e de música. É essencialmente um espetáculo interdisciplinar, com cruzamentos e contributos das áreas do circo, do teatro e da música. É esta mistura de elementos que o diferencia e torna único. É uma aventura por territórios estranhos e antigos que nos leva a descobrir uma nova linguagem, afinal a simples e mais primitiva expressão das nossas humanidades.
“O Meu Nariz é Árabe” integra um projeto mais lato em curso n’A Companhia João Garcia Miguel no qual se procura estabelecer uma relação com o nosso passado histórico. “A Arte de ser Português” é um projeto que parte do título do poeta português Teixeira de Pascoais para refletir sobre um conjunto de figuras maiores das nossas artes, letras e sociedade civil procurando, através das artes, encontrar novas formas de diálogo com o passado. Esta peça, em particular, nasce da parceria com a D’Orfeu, associação cultural com fortes ligações à música. A Companhia João Garcia Miguel trabalhou com Luís Fernandes, diretor criativo d’Orfeu AC e com Artur Fernandes, compositor membro do grupo “Danças Ocultas”, com quem, através de poesias árabes, desenvolvemos a composição das músicas para o espetáculo.
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